1. Introdução
Pensar no ambiente organizacional, como ele se desenvolve e como desenvolver pessoas e os talentos traz a "tona" vários questionamentos. Nesses questionamentos incluo perguntas de ordem prática, mas também de ordem teórica. Desenvolver, o que seria esse conceito? Talentos, quem seriam essas pessoas? Realmente é possível desenvolver um talento ou o indivíduo já nasce talentoso? A formação educacional e da identidade desse indivíduo são fatores de influência para ele se transformar em um talento? Qual o papel da autonomia nesse processo? E quais as influências da ferramenta de gestão empowerment e da gestão participativa nessa formação de talentos? Enfim, esses são alguns questionamentos que considero importante quando pensamos no desenvolvimento de pessoas e principalmente de TALENTOS. Para pensarmos e acredito que devemos refletir com o intuito de acrescentar informações a nós e nossa rede, ou como gosto de chamar carinhosamente, a nossa "TEIA DE RELACIONAMENTOS E SABERES", farei uma discussão usando os conceitos teóricos da gestão de talentos, porém tentarei fazer um paralelo com o terceiro setor. No terceiro setor encontram-se uma série de instituições. Nas realidades das APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), encontramos o setor de RH(Recursos Humanos) funcionando como o DP (Departamento Pessoal) da instituição ou mesmo a terceirização desse serviço. Assim, cabe aos líderes de equipes (coordenadores) a tarefa do desenvolvimento das pessoas.
E são essas e tantas outras motivações que me fazem pensar na importância de desenvolvermos pessoas e principalmente TALENTOS no terceiro setor, já que são esses os grandes responsáveis pela formação continuada de um público que tem necessidades tão primárias como, por exemplo, a independência no autocuidado. Todos esses conceitos e questionamentos serão discutidos no segundo item dessa reflexão.
2. Desenvolvimento
Todas as pessoas são dirigidas por alguma coisa, isto é, todas as pessoas são influenciadas e motivadas por algo em sua vida. Algumas dessas pessoas têm forte influência do trabalho como razão de vida e com isso definem sua identidade somente com características de seu trabalho.
A grande questão é definirmos por qual motivo vivermos. Podemos viver de três maneiras, conhecidas como níveis. O primeiro deles pode ser chamado de SOBREVIVÊNCIA, ou seja, a pessoa não vive, apenas existe e a cada dia vencido considera como mais uma batalha vencida. Já no segundo nível podemos chamar de SUCESSO. O individuo que se encontra nesse estágio é aquele que alcançou os ideais do trabalho e relacionamentos interpessoais. No terceiro nível encontraremos o indivíduo que além de sobrevivência e sucesso, busca o SIGNIFICADO, ou seja, estar no mundo sabendo o porquê de sua existência é o propósito desse nível (referência extraída do material didático da disciplina: Vivendo com Propósitos).
Mas se voltarmos nas histórias de vida de cada indivíduo, poderemos talvez observar que a vivência experenciada de desenvolvimento de crenças, valores e autonomia podem ter forte influência na decisão de que nível nos encontraremos na vida adulta. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, o conceito de autonomia define-se como:
1. Condição ou qualidade de autónomo; independência;
2. Direito de se governar por leis próprias; autodeterminação;
3. Possibilidade que uma entidade tem de estabelecer as suas próprias normas;
4. Poder que os particulares têm de fixar por si próprios a disciplina jurídica dos seus interesses;
5. Filosofia (Kant) liberdade da vontade racional que só obedece á lei por ela mesma legislada.
Já para Paulo Freire (1996) a autonomia é um atributo que deve ser conquistada, construída a partir das decisões, das vivências, da própria liberdade. Ou seja, embora a autonomia seja um atributo humano essencial, na medida em que está vinculada à ideia de dignidade, defendemos que ninguém é espontaneamente autônomo, ela é uma conquista que deve ser realizada e diariamente "batalhada" para ser mantida. A autonomia, além da liberdade de pensar por si, além da capacidade de guiar-se por princípios que concordem com a própria razão, envolve a capacidade de realizar, o que exige um homem consciente e ativo, por isso o homem passivo é contrário ao homem autônomo.
E pensando nas questões acima descritas e nos talentos, quem seriam então as pessoas talentos?
Segundo BRUNO (referência extraída do material didático da disciplina: Afinal, o que é talento?) existem várias teorias para definir talento. A teoria do Dom Natural, como o próprio nome diz, refere que nascemos talento. Ilustram essa teoria, por exemplo, os artistas Beethoven, Picasso ou Da Vinci, mas é bem provável que essas personalidades nunca tivessem interesse em atuar em uma empresa. A crítica que se faz a essa teoria é que dons naturais nem sempre são os necessários para o sucesso numa organização. O que uma empresa precisa são de qualidades humanas mais "comuns", mas é lógico que se os colaboradores apresentaram características de genialidade essas serão bem vindas a equipe.
A teoria da Inteligência faz referência aos talentos atrelada a um conjunto de competências cognitivas, experiências e contextuais.
Na teoria da Formação Acadêmica, ficam evidenciados os fatos de que nem o QI (Quoeficiente de Inteligência) e nem o "número de horas nos bancos escolares" estão relacionados a capacidade de uma pessoa ser talento ou ser bem sucedida.
A criatividade é conhecida como a capacidade de insight distintiva que faz com que tenhamos uma percepção nova acerca de algo ou de um problema. Toda pessoa é criativa, pois é uma característica distintiva do ser
humano produzir objetivos, enxergar ao longo do tempo e sonhar soluções. Mas, a criatividade pode ser bloqueada, reprimida ou mal utilizada, se não conseguirmos alocar pessoas de acordo com suas capacidades. A teoria da Criatividade usa esses fundamentos, mas expressa que não é a "quantidade" de criatividade que definirá um talento (BRUNO. Referência extraída do material didático da disciplina: Afinal, o que é talento?).
Nas teorias dos traços da personalidade e dos tipos psicológicos, diferentes estudos mostram que não existe correlação alguma entre tipos psicológicos ou traços e personalidade com talentos.
Pensando nas competências, a teoria da Competência questiona a relação entre QI e o sucesso na vida prática. Esse modelo busca avaliar competências e não o QI, baseado em comportamentos apresentados no passado pelo individuo e possíveis comportamentos futuros, pois para falarmos em talento precisamos considerar passado e estimar futuro.
E para finalizarmos as teorias que discorrem sobre os talentos, apresentaremos a teoria do Crescimento da Capacidade e Níveis de Complexidade no Trabalho. Segundo Jaques citado por BRUNO (Referência extraída do material didático da disciplina: Afinal, o que é talento?) os conceitos sobre a organização natural do trabalho e o crescimento da capacidade das pessoas, por ter sido pesquisada "on-the-job", parece-nos oferecer as respostas mais adequadas para a questão que estamos discutindo. O autor destaca três conceitos:
1) Primeiro conceito - níveis de complexidade no trabalho: a organização tem níveis diferenciados de complexidade e para isso exige diferentes talentos em cada nível para compreender e conduzir o trabalho.
2) Segundo conceito – trabalho: o trabalho é a aplicação do conhecimento e o exercício do próprio discernimento e julgamento, de modo a alcançar um objetivo dentro de um tempo de realização definido. Jaques citado por BRUNO foca o conceito de trabalho "no que a pessoa faz" e o diferencia do conceito de tarefa.
3) Terceiro conceito - capacidade e seu crescimento: atualmente, existem evidências suficientes para afirmar que nossa capacidade para "enxergar" mais adiante e construir decisões cresce ao longo do tempo. É possível compreender a capacidade atual das pessoas e estimar seu crescimento ao longo do tempo, de modo a antever os níveis de complexidade de trabalho futuro de alguém. Esse terceiro item afetará no gerenciamento dos talentos.
E no gerenciamento de talentos temos que considerar suas habilidades/qualidades diferencialmente, pois segundo o autor BRUNO, o modelo Work Levels, considera sete níveis de qualidade de talentos, organizados em três campos de ação.
1) Gerenciamento Direto (1º, 2º e 3º Nível): relacionado aos níveis de talento que realizam a "prática/fazer" e ao processo de melhoria contínua;
2) Gerenciamento Organizacional (4º e 5º Nível): relacionado aos níveis de talento que realizaram o desenvolvimento estratégico e inovação;
3) Gerenciamento Corporativo (6º e 7º Nível): relacionados aos níveis de talentos para a gestão multinacional dos negócios. O talento é necessário para enxergar mudanças e possibilidades no comportamento da sociedade mundial.
Pensando nos perfis profissionais e das pessoas, indagamos a seguinte questão, como desenvolver talentos? Se assumirmos os princípios do Work Levels, é necessário contextualizar o conceito "talento" com a pergunta "talento para quê?" Enfim, é necessário que o foco no desenvolvimento de talentos e nas expectativas da organização sobre o "talento" seja baseado considerando em que nível proposto pelo Work Levels esse individuo se encontra e qual seu perfil profissional, mas principalmente pessoal, de valores e crenças. Dar oportunidades para que esse indivíduo vivencie experiências, aprenda e cresça são fatores fundamentais para o desenvolvimento segundo o autor.
Assim, dar a oportunidade do fazer, principalmente, quando não sabemos como fazer, despertam no indivíduo o exercício do julgamento e do
discernimento que são processos inerentes a cada organismo, a cada um, e que por sua vez não podem ser treinados, já que envolvem processos conscientes e inconscientes de cada pessoa que são essenciais a nossa sanidade mental e ao desenvolvimento de habilidades para encontramos em que e como seremos TALENTOS.
3. Discussão
Conforme apontado anteriormente, para o desenvolvimento de talentos devemos considerar os aspectos referentes à autonomia, identidade caracterizada pelos valores e crenças, a teoria em que nos basearemos para considerar uma pessoa como talento e a gestão de talentos.
Os estudos mostraram na discussão teórica, que a autonomia é um processo natural do ser humano, mas que envolve uma conquista, ou seja, seria mesmo a autonomia algo tão simples de ser concretizado. Como exemplo de autonomia citaremos o trabalho com pessoas com deficiência. No trabalho de desenvolvimento de Independência e Autonomia com Pessoas com Deficiência, onde verificamos um déficit nesses itens, verificamos que esse é um dos conceitos mais complexos de ser trabalhado, pois envolve processos mentais complexos e questões culturais amplas. Mas então, como promover a autonomia nas pessoas dentro de uma equipe do terceiro setor? Paulo Freire (1996) nos mostra que para isso é necessário deixar o homem "fazer", o homem pacífico, não pode ser autônomo. Dessa forma, considera-se que a experiência da autonomia deve acontecer no dia-a-dia, na prática, e que essa deve ser a primeira premissa para o desenvolvimento de talentos seja no terceiro setor ou em outras organizações.
Mas para a formação/desenvolvimento desse talento ainda devemos considerar que valores crenças esse indivíduo "carrega", pois esses devem estar em concordância com os valores e missão da empresa.
Quanto aos modelos considera-se que a abordagem da teoria do Crescimento da Capacidade e Níveis de Complexidade no Trabalho seja a mais adequada ao "olhar para os talentos".
Para medir a capacidade é necessário compreender na pessoa, o que Jaques citado por BRUNO, denomina de complexidade dos processos cognitivos utilizados, para se ter um indicador de seu nível atual de capacidade (potencial), e assim compreender em que nível de complexidade de trabalho uma pessoa pode utilizar "seu talento". Fazendo um paralelo com o terceiro
setor (APAEs), observa-se nessa realidade que a maioria dessas instituições se encontra em etapas muito anteriores a discussão de tipos de gerenciamentos x talentos. A vivência nos mostra que a formação dos líderes para reconhecimento e desenvolvimento de talentos deva ser o primeiro item a ser trabalhado com os gestores. Talvez uma proposta a ser pensada e discutida seja a reestruturação dos cursos acadêmicos, na área da saúde e educação com o foco na administração, gestão de talentos e principalmente gestão participativa, pois serão esses profissionais que assumiram os cargos de liderança sem na maioria dos casos preparo para isso.
Enfim, pensar em gestão de talentos, principalmente quando não temos profissionais com essa visão, envolve pensarmos em uma mudança na cultura organizacional e nas pessoas que fazem e QUEREM fazer parte desta.
A capacidade, o talento das pessoas tem a ver com: o que se é capaz de fazer para conduzir um trabalho e realizá-lo; a capacidade para conduzir ou propor um plano; a capacidade para superar obstáculos à luz das circunstâncias; a capacidade para lidar com a complexidade, a taxa de mudança das variáveis, o número de interessados envolvidos, o grau de abstração em relação ao ambiente (do concreto, visível até o imaginado, cogitado - tendências, leis, políticas, concorrência, fatores econômicos, etc.) e aquilo que se faz quando não se sabe o que fazer. (Bruno, M.L)
4. Conclusão
Com a articulação dos conteúdos acima descritos e as experiências vivenciadas, observamos que o ambiente organizacional moderno necessita de trabalhadores com capacidade de autonomia e gestão das habilidades adquiridas: saber fazer, saber agir e saber ser.
Nesse cenário, a área de RH ou liderança, no caso das APAEs, são responsáveis por administrar as pessoas e alinhá-las estrategicamente usando ferramenta da gestão participativa e do controle das decisões.
Assim, conclui-se que para identificar e desenvolver talentos é necessário que definamos quais as características consideramos para aquele individuo ser um talento, enfim, suas particularidades e assim finalizar na construção desse talento em todas as esferas da vida humana.
FONTE: Juliana Mussolini Acciari de Freitas, Aluna do curso de Pós-graduação em Gestão de Talentos na UNIANCHIETA
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